domingo, 25 de novembro de 2012

O tempo dos homens e o tempo da justiça 

"Rumo
Que rumo dar à minha vida,
Eu me pergunto
   para eu mesmo responder:
Que tal começar desconfiando
De tudo que nega o prazer?"
          
Carlos Ayres Britto,
in A Pele do Ar




Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, ministro do STF - Supremo Tribunal Federal - desde 25 de junho de 2003, encerrou sua passagem pela corte no dia 16 de novembro exercendo por 210 dias a presidência da nossa instância suprema e do CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Ao seu estilo, desde a posse - vide seu discurso a época e sua recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo após sua aposentadoria compulsória (link abaixo) - buscou impor a sua visão de mundividência da justiça e do direito, sua firmeza e serenidade - "derramento de bilis não combina com a produção de neurônios" -, mantendo sempre seu espírito de jurista e magistrado moderno, no credo de que o mundo do direito e da justiça não estão nem além nem aquém da moldura da lei,  porque comprende que antes de ler os autos e a lei, há que se aprender a ler o mundo em sua máxima plenitude. 

Durante seu curto mandato na administração do STF colocou em pauta e fez o colegiado julgar a ação penal 470 - o chamado "crime do mensalão" - com a finalidade de que a prescrição, o tempo, não alcançasse alguns dos réus indiciados na ação proposta em 2007 pelo chefe da Procuradoria Geral da República. 

Joaquim Benedito Barbosa Gomes, ministro do STF desde 25 de junho de 2003, foi o ministro relator da ação penal 470 - trabalhando contra o tempo da prescrição, ainda que em alguns instantes a pressa em se fazer justiça talvez possa ter atropelado o tempo do Direito - iniciou seu mandato na presidência da instância suprema e do CNJ no dia último dia 23 de novembro, quando prestou juramento. Em seu discurso de posse, (link abaixo), registrou para os anais do tempo: “A noção de justiça é indissociável da noção de igualdade. Quando se associam justiça e igualdade, emerge o cidadão".

O simbolismo da sua posse e da frase direta pronunciada em discurso de tempo curto, sinalizam seu estilo e  propõe breve reflexão: 

Se a noção de justiça é indissociável da noção de igualdade - no que concordo inteiramente, e diante desta associação emerja daí o cidadão, no que também concordo, outra conclusão não há, senão a de que o tempo da Justiça e do Direito prescisam se aproximar do tempo dos homens.

Acúmulo de processos que repousam nas prateleiras das varas, fóruns e tribunais, insuficiência de pessoal, magistrados e membros do ministério público desidiosos e improbos, chicanas de advogados do estado e de advogados privados - na maioria os mais bem remunerados -, desigualam a noção de Justiça e do Direito.

De outro lado, a tentativa de afastar o ministério público das investigações com a aprovação pela Câmara dos Deputados da PEC 37, quando todos sabemos -  por acúmulo de serviços, falta de pessoal, incapacidade, desidia e improbidade - os inquéritos e investigações conduzidos pela polícia andam a passos de internet discada ou são enterrados no concreto de um novo mineirão ou independência.     

Respeitando a Constituição que consagra como direito fundamental o devido processo legal, o amplo direito a defesa, necessário é encontrar a saída urgente para que possa emegir, de fato, o cidadão; pois como escreveu Drummond:  
"Esse é tempo de partido, tempo de homens partidos.[...] Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei".[...]
Volta e meia se propagandeia semanas de "mutirão" e "conciliação" promovidas pelo CNJ com apoio da OAB que em anos eleitorais "surfa na onda" e depois volta para debaixo da barraca de sol na areia da praia. Conciliação que a Justiça do Trabalho faz cotidianamente. O mutirão e a revisão de processos - feitos permanentemente pelos tribunais de justiça dos estados - poderiam "amenizar" a situação criminosa do sistema carcerário e penitenciário do nosso país. O fortalecimento das Defensorias Públicas com o aumento dos seus quadros, corpo técnico, equiparação dos vencimentos com os dos Procuradores dos Estados, é urgente para que o acesso a justiça se associe a igualdade e emerja para o cidadão.

O julgamento da ADIN dos precatórios pelo STF - que Ayres Britto queria colocar em pauta durante sua gestão e o tempo não permitiu - é exemplo deste descompasso entre o tempo da justiça e o tempo dos homens. Os "leilões" de precatórios é das figuras jurídicas mais monstruosas que vi criadas nos últimos tempos. O credor do Estado, com sentença transitada em julgado, depois de esperar anos pelo título judicial,  tal qual um dependente químico fissurado, necessitado, endividado, doente e na maioria da vezes vendo o tempo biológico se esvair como uma ampulheta, fragilizado, se rende.

Mas há esperança e novos tempos se aproximam. Os crimes eleitorais, em que os processos duravam quase o tempo do mandato daquele que se atacava, viciado por alguma ilegalidade cometida durante o período eleitoral, agora duram o tempo razoável. Merece aqui o registro da passagem do ministro Enrique Ricardo Lewandoswski na presidência do TSE - Tribunal Superior Eleitoral, entre 2010 e março de 2012, quando foi firme e decisivo para a validade da lei da "Ficha Limpa" nas eleições de 2012. Esse foi um dos instantes - como foi o julgamento Ação Penal 470 - onde o tempo do homens e o tempo da justiça se encontraram. A sombra e o sol. Que seja assim doravante; justiça e igualdade associadas para emergir de fato o cidadão em sua plenitude conforme quer a Constituição, que também sentiu necessidade de falar do tempo ao incluir em seu  art 5°, o inciso LXXVIII.

Links:

Discurso de posse Ayres Britto:

Entrevista Folha de São Paulo 25/11/2012:

Discurso de Posse Joaquim Barbosa (vídeo):
http://migre.me/c4g6u

Notas: 1- Sombra e Sol - Foto do Autor- in, Fazenda Santa Terezinha, Faria Lemos - MG
           2- Carlos Drummond de Andrade - in, Nosso Tempo, A Rosa do Povo.


                                                                            ***
Consertinhos:

I- No post de estréia cometi um erro de conteúdo, que me desculpo e corrijo agora. 

Escrevi no segundo parágrafo: 

[...] " Verbo que para alguns vem antes, para a felicidade e orgulho dos familiares, e para outros nunca. Mas o tempo, esse chega junto para todos desde o nascimento."

O Verbo prescinde da capacidade da fala e da escrita. Incluo os sinais que os portadores de deficiência dominam magnificamente. E o signo; que os artistas - e  todos que desenvolvem esta sensibilidade - idem.   

II-  Como o link que indiquei no post de estréia já não trazia algumas músicas segue um de uma canção que gosto muito e repito sempre que posso - pela letra e pela música - nos espaços que compartilho.