domingo, 16 de dezembro de 2012

VirandoMundos


VirandoMundos


                                           "Só quem passou a infância junto a um rio pode saber  
                                                                   o que rio significa para ele"
                                                                   Fernando Sabino, no "O Grande Mentecapto" 
     
  


Foi no último dia 30 de novembro - dia especial, digo logo de início - num fim de tarde. Voltei - fazia algum tempo - por convite - ao Território Livre José Carlos da Mata Machado - Pátio do CAAP, na Faculdade de Direito da UFMG, para a Assembléia Geral de transmissão e prestação de contas da Gestão "Lumiar" - 2011/2012 e posse da Gestão "Viramundo" - 2012/2013.

Nisto que costumamos chamar de coincidências, acontecia neste mesmo período, a marca temporal de 20 anos de encerramento da Gestão "Centenário" - 1991/1992 (nome dado em homenagem aos 100 anos da FDUFMG comemorados naquele ano de 1992). Gestão que fiz parte como dirigente do CAAP e que marcou o início da minha trajetória no movimento estudantil universitário, além, é certo, de ter me revelado outros olhares, pessoas, amizades, parceiros, adversários que se tornaram parceiros, parceiros que se tornaram adversários, lugares, sentimentos, outras faculdades na faculdade e na universidade.

Dois amigos que  fizeram parte daquela gestão de 1992 , Bernardo Lopes Portugal e  Ronaldo Noronha Behrens -  gestão que teve  e tem muita gente querida espalhada por esse "universo" e mundão dos homens e de deus -, também estiveram presentes naquela tarde.

Eu estava ali. Naquele tarde e naquele lugar que conheço tanto. Onde passei alguns dos melhores e também os mais desafiantes - para não dizer "cagaços" - da minha travessia. Onde vi as transformações físicas e geracionais do espaço acontecendo; como aluno e dirigente do CAAP em 1992 e 1994 e no restante da década como aluno. Depois, na primeira década deste século, como aluno de pós graduação e professor da escola.

Nesse período muita coisa mudou. O espaço físico. As gerações. Tudo muda. Muda?

A despeito de ter acompanhado a maioria das mudanças naquele território, fazia algum tempo que eu não pisava por lá. Não pude por exemplo estar presente na comemoração dos 100 anos do nosso CAAP  em cerimônia celebrada e festejada em 2008. Não sei porque, mas os organizadores e "donos" da efeméride acharam que eu e outros ex-presidentes e dirigentes não deveríamos fazer parte da festa. Tudo bem, agora, mesmo. Por conhecê-los, digo, aqui - pela oportunidade -, por mim e (acho) pelo amigos também "barrados na festa", (que se reuniram no velho Tizé e comemoramos o Centenário do CAAP com  philia , alegria triste e humor, que nos salva sempre), a là Mario Quintana: "Eles passsarão, (nós) passarinho". Fazemos parte da história! Eles também. Talvez não do mesmo tamanho... Que venha os 150!      

Mas, quero falar daquela tarde - começando por dizer que este texto demorou a sair, se perdeu e foi reescrito - coração mexido, talvez, por toda a história e as estórias revividas naquela tarde em que alunas e alunos da "Vetusta" se reuniram, ou melhor, se espalharam no Território Livre para em Assembléia Geral, (in) formalmente, debaixo de uma "tenda" montada no Pátio (digo isso, radiante e orgulhoso do que senti e vivi naqueles instantes, pois nunca tinha visto, nem sentido - em solenidades como aquela - um ambiente e clima tão "à vontade" - contagiante -  que não deixou em nenhum momento, de lado, a seriedade e a solenidade do ato), cumprindo o que dispunha a convocação e o estatuto do CAAP.

Além de nós, estavam também presentes, familiares, amigos e amigas, das e dos, ex e empossados caapianos, professores da casa, funcionários, estudantes de outras unidades, dirigentes de outras entidades e a diretora da faculdade - que não se sentou na mesa - (achei muito bacana; afinal, em assembléia de entidade dos estudantes quem compõe a mesa são os próprios estudantes, e somente eles).

Eu já disse que o espaço físico mudou. E foi bastante. Hoje mais colorido, grafitado, com pufs e sofás espalhados na sede, sala de reuniões e pelo pátio, televisão de plasma, vasos, jardins; menos cimento. As mudanças já haviam começado conosco nos anos de 1992, 1993, 1994 quando colocamos os primeiros tijolos, tintas e azulejos na reforma da cantina, dos banheiros e do nosso espaço. Continuaram  com as reformas dos prédios em 1998, quando o "aquário" foi enchido de cimento para virar um andar da biblioteca e o o pátio diminuído para dar lugar ao prédio da "frente de vidro".

Mudanças físicas que não atingiram o espírito e o simbolismo do Território Livre - o 3º andar do prédio novo - ocupado pelo CAAP , construído após a derrubada criminosa em 1958 - na "então" onda modernizante de BH - do velho casarão da Praça Afonso Arinos, e que acolhe e abriga desde então,  a nossa centenária e tradicional entidade estudantil brasileira.

Lembrei e senti falta, entre tantas coisas, naquela tarde, da quadrazinha de futsal no cimento "caracachento" - com as travezinhas tipo futebol de praia, que não cabe mais no espaço; bom para o joelho da moçada. Vi, e ouvi, que o som que eles tem no pátio é muito melhor. A tal tenda, onde a mesa da cerimônia de posse foi composta - com a bandeira e o símbolo do CAAP ao fundo - é muito bacana e multifuncional naquele espaço. Vi menos ternos e gravatas na moçada e menos tailleur nas meninas, mais camisas de malha, vestidinhos , bermudas e shorts, sandálias havaianas, calças jeans - inclusive na diretora e nos professores. A mudança boa, necessária, contemporânea, pois simbólica. Arejante nesse meio bolorento e pavônico que é a passarela jurídica.

A aumentar a singularidade dessa tarde de reencontro com o CAAP, com sua nova geração, com meus amigos e colegas de gestões -  mesmo os que não estavam lá e os que já se encantaram  - e comigo, colhi a foto que emoldura este post, que foi tirada naquela tarde de 30 de novembro. Esta cena é um dos olhares que eu trago guardado na minhas melhores lembranças de qualquer lugar e espaço onde já habitei. Era ali que ao fim da tarde - neste mesmo horário - eu saía da sala e ia tomar um café e fumar um cigarro, hora proseando ou articulando, sob a proteção e o segredo das palmeiras. Só não podia imaginar que fosse presenteado - junto com cada um cada que estava naquela hora no Pátio do CAAP - com um riscado céu multicolorido.

A epígrafe deste post e uma interrogação colocada acima é perfeitamente compreensível e possível de ser respondida, depois de ouvir, sentir, falar, e viver cada instante naquela tarde no velho espaço - no instante que a faculdade iniciava as comemorações dos seus 120 anos - (a) lumiar, os 20 anos do centenário, ver em frente a geração viramundo com o arrepio na pele de quem já o sentiu. Mudam, os estilos, as formas, as linguagens, as idéias, as causas. Isso é necessário. Fundamental. Mas não mudam os sentimentos de quem sabe e sente a temperatura, a delícia do refresco, o peso da água em tempo de cheia, o cheiro, a cor, as correntezas, a mansidão do regaço e os redemoinhos invisíveis dos que um dia nadaram nesse rio.

Naquela tarde, Lucas Gelape, Tesoureiro da Gestão "Lumiar" 2011/2012 - prestou contas digna e conforme o regimento;  Yuri Alexandre, Presidente do CRT (Conselho dos Representantes de Turma) - cumpriu sua função estatutária; Thalles Mello Batista Pieroni, Vice-Presidente da Gestão "Lumiar" 2011/2012 - falou de forma bela e poética  dizendo do "significado do rio para ele" e agradecendo (vertendo lágrimas em sua namorada, que estava assentada ao meu lado);   Letícia Birchal Domingues, Presidenta da Gestão "Lumiar", que de forma serena, alegre, firme e com olhos e semblante de quem sabe ter cumprido fielmente o mandato conferido pelos estudantes da "Vetusta", falou emocionada e agradecida; seja bem vinda Letícia! E, Felipe Gallo da Franca, Presidente da Gestão "Viramundo" 2012/2013 - falou com alegria, entusiasmo - essa palavra forte de matriz grega -  iniciando formalmente sua travessia na presidência do CAAP com um discurso de paixão. Pois que seja; ele, seus colegas de gestão e as muitas gerações que ainda vierem. Como já foi. 

E foi assim que naquela tarde eu posso dizer como o velho Timbira que Gonçalves Dias consagrou no seu I Juca Pirama: "Meninos, eu vi!"    


* Eu dedico este texto a Ana Eduarda Morais - a Duda - candidata a presidente na chapa que disputou conosco as eleições para a gestão do CAAP 1991/1992  (ou Duda, a Bela, conforme descreveu o escritor Roberto Drummond em uma de suas crônicas, no jornal Hoje em Dia, após um bate papo promovido por nós do CAAP em 1994, no "Aquário", e que se estendeu noite adentro - primeiro na Cantina do Lucas e depois em cima dos Arcos do Viaduto de Santa Tereza, ela, eu e mais quatro amigos, na presença dele - Roberto Drummond e do inesquecível e querido, meu e dela, Professor José Alfredo de Oliveira Baracho - nosso Diretor da Faculdade no seu Centenário em 1992). Isso dá assunto para um texto enorme, mas agora quero registrar isso aqui:  se em 1991/1992 estávamos em campos opostos, noutro tempo e em outra gestão, "Diretas Já!" 1993/1994, estivemos juntos. Ainda que isso não tivesse ocorrido, a disputa de 1991 nunca nos separou. A Ana Eduarda (Duda), mulher, militante, hoje - mãe, sempre foi uma figura linda. Ser humano, limpo, do bem, da paz, que sempre mereceu meu respeito, meu afeto e minha amizade e de quem sempre recebi reciprocidade sincera. A Duda também sabe e sente o "significado deste rio."